sexta-feira, 29 de junho de 2012

A DESGRAÇA DO AZAR


Texto: Rafael Duarte

Toda família que se preza tem suas regras. E lá em casa, desde sempre, tinha umas proibições meio nonsense. As palavras azar e desgraça, por exemplo, eram terminantemente proibidas. Pior que palavrão, a simples pronúncia de azar e desgraça tinha quase a mesma dimensão que, sei lá, cospir na santa. De vez em quando escapava diante de uma topada com o dedo mindinho na quina do sofá ou na mesa de centro da sala depois, obviamente, daquele xingamento que alivia todas as dores do mundo.

Mas independente do momento, e da intensidade do sofrimento, com azar e desgraça não tinha conversa nem perdão. Minha mãe dizia - e diz até hoje! - que tanto azar como desgraça são tão negativos que atraem coisa ruim. Mas hoje não tem jeito. Peço vênia (aprendi na cobertura dos precatórios) à dona Sônia porque a semana foi de lascar.

Micarla de Sousa e Lúcio Flávio, tenho absoluta certeza, não se conhecem. Mas são muito parecidos. Ela dispensa apresentação como prefeita desta cidade abandonada, já o sujeito trabalha como copeiro num boteco da Barra da Tijuca. Embora distante vários quilômetros, duas coisas unem os dois. Pense numa dupla desgraçadamente azarada.

Lúcio Flávio é o estereótipo do lascado. O cabra costumava participar do bolão coletivo da Mega Sena com os colegas funcionários do botequim. Toda semana, com chuva ou sol, fazia a fezinha de sempre com aquela sensação de que agora vai dar. Era uma fé coletiva, todos fazendo planos ousados. Lúcio Flávio sonhava. O maior desejo era fazer e festa da filha de oito anos. Contava as moedas e guardava o troco para não passar batido. Mas vacilou.

No bolão da quina de São João desta semana Lúcio Flávio não quis se misturar com a rapaziada reunida. Pense num azar desgraçado. A turma ganhou e rachou a grana só com quem jogou. Deu R$ 635 mil para cada um. Foi demissão em massa no bar. Os dez garçons, os seis copeiros, os dois caixas e o gerente deixaram o amigo para trás. Deu no Globo. Para Lúcio Flávio sobraram as piadas e a gozação dos conhecidos. Virou celebridade no Rio de Janeiro. Caiu em desgraça por causa de um dia de azar.

Nessa história incrível, só quem não pode sentir pena do pobre do Lúcio Flávio é Micarla de Sousa. Pense num azar desgraçado. A prefeita adiou tanto a decisão de que não ia tentar a reeleição que quando resolveu dizer o que todo mundo já sabia o Ministério Público avacalhou geral com a operação Assepsia. Uma fraude milionária na contratação de empresas de fachada para gerir a saúde é, realmente, muito azar. A casa desabar sobre a cabeça de uma prefeita de mãos tão limpas, que vinha fazendo uma gestão tão revolucionária imune aos escândalos tão presente nas administrações dos adversários, tudo isso, acreditem, é muito azar. Mas é bom parar de escrever sobre isso. Vai que a prefeita muda de opinão. 

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