Texto: Sérgio Vilar*
Fotos: Julio César Pimenta
*Publicado originalmente no Diário de Natal
Uma Sociedade. Um livro preto. Um beco o mais estranho da cidade. Por
lá passeiam esquerdopatas, poetas de poucos versos, professores de
poucos alunos, pesquisadores (a categoria mais abrangente do planeta),
produtores (muitos!), pintores, profissionais autônomos e liberais,
alguns poucos conservadores, comerciantes, outros ditos figuras
folclóricas e uma totalidade de boêmios. Disso e de mais uma pimenta
rara de inquietação, tradição e provicianismo é feito o Beco da Lama.
Para mexer essa sopa e servir o jantar quentinho para todas as tribos
de inquietos e bebuns, foi criada a Sociedade dos Amigos do Beco da
Lama e Adjacências (Samba). A intenção foi cuidar daquele chão cercado
de histórias e uma vocação cultural incomum à cidade. Próximo dia 30 de
julho será comemorado a maioridade da entidade: 18 anos. E para celebrar
a data, a diretoria recém-eleita da Samba está programando uma festa – o
primeiro evento da nova formação da Sociedade. E com novidades.
A primeira delas acontece amanhã. Será a festa da posse. A partir das
16h, no Bardallos Comida & Arte, um DJ fará a programação voltada
ao ritmo junino. Acesso livre, para associados ou não. Tudo sem maiores
ornamentações. É que a Samba não possui um real para nada. Sem dotação
própria, sofre com a dependência de patrocinadores para manter o
calendário anual de ações culturais, a exemplo do Festival Gastronômico
Pratodomundo, o Dia da Poesia, o Carnabeco, o Baile de Máscaras, e
outros.
Para tentar modificar o quadro, a diretoria eleita decidiu pela
cobrança de uma taxa de R$ 60 de anuidade aos associados. Para tal, fará
o esperado recadastramento. A ação será durante a celebração da festa
de 18 anos da Samba, agendada para 28 de julho (um sábado). A intenção
primeira é de festejar no coração do Beco. Para tal, nos próximos dias
uma comissão participará de audiência com a promotora do Meio Ambiente,
Rossana Sudário, para verificar a possibilidade da festa.
Durante a comemoração será feito o recadastramento. Para isso,
bastará preencher uma ficha com dados para melhor comunicação entre a
diretoria da Samba e seus sócios. A intenção, segundo o presidente da
Samba, Dorian Lima, é criar um senso de responsabilidade aos associados
para com o Beco, além de fazer caixa. A ficha de cadastro também servirá
para convocação de assembleias e demais eventos. E tentará solucionar
de vez a sempre polêmica lista misteriosa de associados.
Em cada eleição do Beco há contestação em razão do número duvidoso de
sócios, registrados em três livros diferentes: um preto, outro amarelo e
outro verde. No Livro Preto consta a ata de fundação da Samba e o
registro dos primeiros associados – praticamente todos. No segundo e
terceiro, algumas atas de assembleias e poucos registros de associados.
Muitos já morreram. Outros já não moram na cidade. E a intenção é
organizar essa lista, mediante preenchimento de ficha e pagamento de
anuidade. Qualquer um pode se associar.
Para falar mais a respeito do futuro da entidade, o diretor executivo
da chapa Nós dá Samba, vencedora no último pleito, derrotando a chapa
Eu Sou Biba por esmagadores 113 contra 48 votos, comenta a respeito.
Dorian Lima é produtor cultural, frequentador assíduo do Beco e das
gestões da Samba. Depois de participar das últimas três administrações
da entidade, assume o bastão da Samba com promessas de renovação e um
futuro melhor pro Beco. Tudo por amor à causa e à boemia.
DORIAN LIMA / ENTREVISTA
"PRESIDENTE POR AMOR À CAUSA"
Você comentou da necessidade de fazer caixa e cobrar uma taxa dos associados. É ponto acordado isso?
É sim. Agora, ainda iremos discutir alguns casos pontuais. Tem
gente que não tem condições de pagar, outros estão desempregados, ou
seja. São exceções que iremos avaliar. Mas no geral iremos cobrar esses
60 reais, que dá 5 reais ao mês.
Para esse recadastramento terá outro pré-requisito, outro critério?
Não. Claro, nós vamos pedir apenas o preenchimento de uma ficha
com nome, email, endereço de redes sociais para modernizar a coisa e
facilitar a comunicação da diretoria com seus associados. Teremos 30 ou
40 dias para organizar isso e fazer o recadastramento na festa de 18
anos da Samba.
Verdade que a diretoria foi dividida em grupos de atuação para melhorar a atuação?
É, a princípio temos o grupo de comunicação e outro para cuidar
dessas burocracias de receitas, a exemplo de inscrição em editais,
buscar dinheiro junto às empresas e poder público, essas coisas. Ainda
iremos montar os outros.
Sem dinheiro, como a Samba pretende promover a festa da posse
e quais os planos para manutenção do calendário anual de atividades da
entidade?
Para a posse, são as parcerias para pouca coisa. Será algo bem
simples. Para a festa dos 18 anos, queremos nos inscrever no edital de
pequenos projetos lançado pela Fundação José Augusto, que cede R$ 3 mil.
E para outros eventos iremos, como sempre, atrás do Sebrae, da
Funcarte, da Fundação José Augusto, que são os patrocinadores comuns.
Mas temos muitas ideias para diminuir essa dependência. Até a confecção
de camisetas para venda, criação de um livro dourado para colher
donativos, por aí.
A diretoria não ganha um real para realizar esse trabalho,
que não é pouco e ainda sofre críticas. Por que há até disputa pelo
cargo?
Olha, eu fui o 13º filiado da Samba. Participei da fundação. E
sempre fui incorporado às gestões. Na gestão de Dunga (Eduardo
Alexandre) eu fui do conselho fiscal. Na gestão de Bira (Ubiratan Lemos)
fui diretor cultural. E na última, de Augusto Lula, fui diretor de
eventos. Nesta agora fui indicado à diretoria executiva. E nem queria.
Mas não se achou outro nome com um tempo de experiência e com vontade de
participar.
E por que você aceitou?
Por amor à causa. Pela convivência com amigos e pelo amor à
gastronomia, à arte, à boemia, ao patrimônio histórico. E também para
homenagear velhos amigos já falecidos que sempre frequentaram e gostavam
do Beco: Nazi, Bosco Lopes e, mais recentemente, Manoelzinho do TRE. É
pela valorização disso tudo. A gente milita no meio cultural há algum
tempo. Você sabe, promovemos o Festival MPBeco, o Bloco dos Manicacas,
tudo por ali. E criamos amor à causa, à cultura dessa cidade que a gente
ama.